Poluição por metais pesados atinge ilhas remotas
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Bilhões de toneladas de
metais pesados são emitidos anualmente por chaminés e esgotos das indústrias.
Tais elementos são nocivos aos seres vivos e atingem a hidrosfera, poluindo
rios, lagos e mares. É difícil encontrar nos oceanos um lugar livre dessa poluição,
não importa o quão remoto ele esteja.
Um estudo feito
por Caio Vinícius Cipro, pós-doutorando no Instituto
Oceanográfico da USP com Bolsa da FAPESP, identificou traços de metais pesados
em diversos tipos de invertebrados, peixes e aves habitantes das ilhas
Kerguelen, pertencentes às Terras Austrais e Antárticas Francesas.
O trabalho,
produzido em parceria com pesquisadores franceses, foi feito em um dos locais
mais isolados do planeta. Kerguelen reúne 300 ilhas e ilhotas no sul do oceano
Índico, a meio caminho entre a África e a Austrália, 4 mil quilômetros ao sul
da Índia e 2 mil quilômetros ao norte da Antártica.
O arquipélago,
de origem vulcânica, é coberto por geleiras, rochas e lava solidificada há
muito despejada por um vulcão dormente, o monte Ross, ponto culminante do
local. A vegetação é de tundra, açoitada por um vento frio constante. No local
há uma estação de pesquisas que abriga 120 pessoas no verão e menos da metade no
inverno.
Em Kerguelen, a
desolação em terra contrasta com a riqueza da vida marinha. As águas são ricas
em alimento para colônias de pinguins-reais, elefantes-marinhos,
leões-marinhos, albatrozes, petréis, golfinhos e baleias. Águas à primeira
vista isentas de qualquer tipo de poluição humana.
“Após meu
doutorado, passei quase cinco anos na Universidade de La Rochelle financiado
por organismos franceses, pela FAPESP e
pelo programa Ciência sem Fronteiras. Em 2013, fui convidado pelo meu
supervisor francês, Paco Bustamante, a trabalhar com uma coleção de amostras e
de dados levantados anos antes nas ilhas Kerguelen. Em 1998, Bustamante
constatou acúmulo de cádmio, cobre e zinco em polvos de Kerguelen, mas havia
muito a investigar”, disse Cipro.
“No programa
antártico francês, o estudo do material coletado não precisa necessariamente
ser realizado pelo profissional que vai a campo. No nosso caso, analisamos
amostras de aves, de peixes e de diversos invertebrados. A ideia era verificar
as concentrações de base para organismos de nível trófico maior”, disse.
Em 2014, Cipro
publicou na Polar Biology a primeira parte
de sua pesquisa, na qual constatou a contaminação de petréis pardela-preta (Procellaria aequinoctialis) por cobre, selênio e zinco.
A segunda parte, publicada agora na mesma revista,
demonstra contaminação por metais em peixes e em invertebrados marinhos.
Além do cádmio
e do mercúrio de fontes naturais, há os metais resultantes do despejo de
poluentes por fábricas localizadas a mais de 10 mil quilômetros de distância.
Micropartículas de metais pesados liberadas no meio ambiente chegam aos oceanos
e, enquanto ficam em suspensão em águas superficiais, são absorvidas pelo
zooplâncton, invertebrados microscópicos que formam o esteio da cadeia
alimentar oceânica. O zooplâncton serve de alimento para os consumidores
marinhos primários: moluscos, crustáceos, os menores peixes e também os maiores
animais vivos, os cetáceos misticetos como a baleia-azul.
Lulas,
mexilhões, crustáceos e peixes, por sua vez, são a fonte de alimento dos
consumidores secundários. Cada partícula de metal pesado que penetra na base da
cadeia alimentar oceânica acaba acumulada em tecidos dos grupos de animais que
ocupam os seus degraus mais altos: peixes como atum e tubarões, aves e
mamíferos como focas, leões-marinhos, golfinhos e orcas.
De acordo com
Cipro, há poucos trabalhos que mostram a contaminação por metais pesados em
organismos dos níveis tróficos mais baixos da cadeia alimentar em ecossistemas
remotos.
“O objetivo de
nossa nova pesquisa foi obter dados de acúmulo de metais pesados em organismos
de invertebrados como mexilhões e lulas. Os dados que obtivemos podem apoiar
estudos com níveis tróficos mais altos”, disse.
As espécies
coletadas representam uma grande amostra dos grupos ecológicos de Kerguelen. O
tamanho dos animais amostrados está dentro do alcance das presas dos predadores
de topo daquela área e, mais especificamente, das diversas espécies de aves
marinhas que habitam aquelas ilhas.
“Comparando os
dados de contaminação em todos os ecossistemas, apareceram resultados
interessantes. Em uma grande baía onde estão localizadas as maiores colônias de
aves marinhas de Kerguelen, os mexilhões têm concentrações de cádmio maiores do
que aquelas registradas entre os mexilhões de outras partes das ilhas. Tudo
indica que a fonte de cádmio que contamina os mexilhões são as colônias de aves
marinhas no golfo de Morbihan, onde fica Port-aux-Français, a maior comunidade
daquelas ilhas, com uma população de 40 pessoas no inverno e 120 durante os
meses de verão”, disse Cipro.
Os
pesquisadores observaram uma correlação entre o tamanho dos mexilhões coletados
na maré baixa e a quantidade de cádmio neles presente. “Nos mexilhões, a
correlação positiva entre cádmio e o peso dos indivíduos sugere evidentemente a
bioacumulação do metal pesado nos tecidos daqueles bivalves à medida que
crescem”, disse.
Quando os
metais pesados derivados de fontes naturais e da atividade industrial chegam às
águas, são geralmente absorvidos por organismos marinhos. Alguns, como as
lulas, absorvem muito metal pesado. Os cefalópodes, o grupo do qual fazem parte
as lulas e os polvos, são notórios bioacumuladores de diversos elementos
químicos.
“As
concentrações do metal encontradas nas espécies de lula analisadas em Kerguelen
estavam entre as mais altas para todas as espécies analisadas neste estudo”,
disse Cipro.
Contaminações diferentes
No trabalho
anterior, Cipro e colegas observaram elevadas concentrações de mercúrio (em
média 58,4 microgramas por decigrama no fígado) e de cádmio (média de 65,7
microgramas por decigrama nos rins) em petréis.
“Uma possível
explicação é que tais aves seguem barcos de pesca. Como os barcos descartam os
tecidos indesejados do pescado, isso pode expor as aves a maiores níveis de
contaminação”, disse.
Foi constatada
também uma concentração muito elevada de metais pesados em algumas espécies de
zooplâncton, o que é bastante incomum entre as espécies analisadas. “Um exemplo
é um pequeno crustáceo do zooplâncton, Themisto gaudichaudii,
que apresentou concentrações de cádmio muito superiores às concentrações de
diversas espécies de peixes que, em tese, deveriam ser mais expostos a esse
metal pesado”, disse Cipro.
Segundo ele, as
concentrações de metais pesados nos crustáceos que vivem nas águas da
plataforma continental são muito superiores àquelas dos que vivem nas águas
costeiras de Kerguelen.
“O que se
verifica ao longo do trabalho é que, em níveis tróficos mais baixos, cada nicho
de invertebrados, moluscos ou crustáceos, apresenta contaminação em quantidades
e perfis diferentes”, disse o pesquisador.
Na sequência do
trabalho, Cipro e seus colegas franceses pretendem verificar quais aves estão
mais expostas ao acúmulo de metais pesados. “Os resultados deverão ser
publicados em breve, com análises de 26 espécies de aves marinhas”, disse.
O artigo Trace elements in invertebrates and fish from Kerguelen waters,
southern Indian Ocean (doi: 10.1007/s00300-017-2180-6), de Caio
V. Z. Cipro, Y. Cherel, P. Bocher, F. Caurant, P. Miramand e P. Bustamante,
está publicado em https://link.springer.com/article/10.1007/s00300-017-2180-6.
Fonte: Peter Moon | Agência FAPESP
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