Impactos no meio ambiente podem ser causados por empreendimentos urbanos

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Os professores Alexander Turra e Fábio Mariz Gonçalves falam sobre os impactos ambientais causados por intervenções urbanas, como, por exemplo, aquela que acontece hoje no Balneário Camboriú

Nas redes sociais, chamou a atenção uma imagem da praia do Balneário Camboriú, município localizado no Estado de Santa Catarina. Em uma foto aérea, era possível observar um grande campo de areia que se estendia sobre o mar, e não o contrário, como acontece usualmente. A presença das máquinas ao redor do campo indicavam que ali acontecia mais uma intervenção humana em um ambiente natural.


O Balneário Camboriú passa por um processo de “engordamento de praia”. Em outras palavras, está se buscando o aumento espacial da faixa de areia. Com isso, o objetivo é também combater a erosão costeira, nome dado ao processo em que a praia perde mais sedimentos do que recebe. Para isso, se retira e transporta areia do fundo do mar. Por ser um ambiente inconsolidado, a areia retirada é reposta pelo movimento do mar.


Entretanto, tem impactos que são inerentes e inevitáveis, especialmente quando você fala de um procedimento como esse”, analisa o professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP. A areia do fundo do mar, por exemplo, é retirada por uma draga, em um processo que pode impactar negativamente a biodiversidade local. Além disso, “na praia existente vai ser jogado sedimento. Esse sedimento também vai matar os organismos que estão ali, que vão ser sufocados”, explica Turra.


Na obra do Balneário Camboriú, a draga utilizada pode extrair, por dia, cerca de 40 mil metros cúbicos de areia, a uma distância de 15 quilômetros da costa. O material retirado é transportado via 360 tubos.


A história das mudanças ambientais

Mudanças como aquelas promovidas em faixas de areias de grandes cidades litorâneas não são novidade. “Transformar a paisagem e o meio natural é um fenômeno tão antigo quanto a cidade”, afirma o professor Fábio Mariz Gonçalves, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, lembrando de exemplos mais antigos como o do Rio de Janeiro.


As atividades humanas deixam rastros no oceano, no ambiente terrestre, na atmosfera e até no espaço. A “pegada” dessa espécie é tamanha que já entrou diretamente no estudo de especialistas: “Um termo que busca compilar esse entendimento do efeito do ser humano em transformar o meio ambiente é denominado ‘antropoceno’”, explica Turra.


O Antropoceno corresponde à era geológica na qual o sinal da atividade humana já está sendo inequívoco, chegando a ser registrado em rochas sedimentares, por exemplo. “Se a gente imaginar uma pessoa daqui a milhões de anos fazendo um buraco no fundo do mar para estudar a rocha sedimentar, ela vai ver uma marcação muito forte que vai denominar esse período em que a gente foi meio atrapalhado no uso dos recursos”, exemplifica Turra.

Conflito de interesses


Além de atenuar a erosão costeira, a intervenção em Balneário Camboriú procura contornar o efeito de uma atividade causada, desta vez, pelo homem: a dos prédios. A grande concentração de arranha-céus na orla marítima traz um impacto fatal para o  aproveitamento das praias, principalmente em termos de lazer e turismo, que é o seu sombreamento. Já foi relatado que, com a sombra dos prédios, a praia se torna mais fria e escura. 


Para se ter uma ideia, em 2013, as torres do Villa Serena, ambas com 49 andares e 159 metros de altura, eram os edifícios residenciais mais altos de Camboriú e do Brasil. Em 2020, elas não ocupavam sequer a lista dos dez edifícios mais altos da cidade.


A solução para contornar o sombreamento foi uma nova intervenção na natureza, com o alargamento da praia, uma demanda antiga – em 2001, um referendo mostrou que 71% dos eleitores apoiavam medidas que incluíam o alargamento da faixa de areia. As obras, que devem terminar em novembro, já mexem nos preços de imóveis da região. O Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Santa Catarina (Creci/SC) apontou que o preço do metro quadrado da cidade já está subindo.


“Para as cidades brasileiras, morar de frente para o mar é um privilégio caro. Isso para o mercado tem um valor imenso que gera edifícios de alto padrão e de gabarito muito alto. Ao mesmo tempo que você vende aquela paisagem, você a destrói”, afirma o professor Mariz. Para ele, está cada vez mais difícil alinhar o desenvolvimento sustentável de cidades aos interesses do mercado imobiliário.


Licenciamento ambiental

Nem sempre fica claro, mas, no Brasil, existem instrumentos institucionais para sondar e até mesmo atenuar impactos ambientais de empreendimentos humanos. Um dos mais reconhecidos é o licenciamento ambiental. A ferramenta legislativa em questão é responsável por definir a liberação, ou não, de determinados empreendimentos. Assim, busca-se proteger o meio ambiente e os biomas brasileiros.


“O licenciamento ambiental salva vidas. Ele é fundamental”, afirma Turra. Hoje, o professor do IO identifica que é preciso investimento nos órgãos responsáveis pelo licenciamento, com a formação de equipes qualificadas e garantia de independência dos analistas, por exemplo. Vale lembrar que o equilíbrio ecológico, também visado pelo licenciamento, é previsto na Constituição Federal, no artigo 225.


Um dos potenciais de melhoria do licenciamento ambiental apontado por especialistas são os procedimentos pós-licenciamento. “Após a licença, o controle social é muito reduzido. Esse acompanhamento fica a cargo do órgão ambiental”, aponta Turra, lembrando de fragilidades nesse processo, como a redução de equipes, a pressão política pelo afrouxamento da licença, entre outras.


A falta de cuidado com o licenciamento ambiental pode ser fatal. Mariana e Brumadinho foram duas cidades de Minas Gerais afetadas por desastres causados por ação humana, no caso, o rompimento de barragens da Samarco e da Vale. O primeiro desastre aconteceu em 2015, matando 19 pessoas. O segundo matou 270 pessoas em 2019. Além das mortes, foram registrados desaparecimentos, destruição de lares e impactos ambientais irreversíveis.


A impunidade marcou esses dois episódios. “A nossa indústria da mineração é muito pouco responsável e nunca responsabilizada pela destruição que faz. O maior desastre ecológico deste século é o que foi feito no rio Doce (causado pelo rompimento de Mariana). Uma bacia inteira que foi de tal forma contaminada, envenenada, que nem em 500 anos a gente vai poder ver aquele rio respirar novamente”, afirma Mariz.


“Não podemos errar, é um planeta só. Temos que ser muito sábios e a avaliação de impacto ambiental nos ajuda a ter essa sabedoria para poder caminhar para esse futuro, que tem que ser bom para todos, sem deixar ninguém para trás”, conclui Turra.

Fonte: Jornal da USP


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