Acúmulo de metais em organismos marinhos traz alerta para o futuro
12:24
Os cetáceos objetos de estudos foram cedidos por laboratórios, onde já foram encaminhados para esses locais sem vida. Imagem: Marcos Santos/ USP Imagens ANIMAIS MARINHOS, SEDIMENTOS E FRAGMENTOS VEGETAIS FORAM ANALISADOS PARA VERIFICAR NÍVEIS DE METAIS ACUMULADOS EM TEIA ALIMENTAR PRÉ-ESTABELECIDA
Pesquisa de doutorado de Tailisi Hoppe Trevizani realizada no Laboratório de Química Inorgânica Marinha (LaQIMar) Instituto Oceanográfico (IO) da USP investigou a concentração de diversos metais em animais marinhos de três estuários brasileiros. Os dados devem ser encarados com atenção por órgãos como a Anvisa, já que apontam alta concentração de alguns metais que poderão acarretar em problemas no futuro.
Baseada no litoral, foram estudados os estuários (embocaduras dos rios formadas em seu encontro com o mar) localizados em Paranaguá-PR, Cananéia-SP e Santos-SP.
A tese “Bioacumulação e biomagnificação de metais pesados em teias tróficas de estuários do sul-sudeste do Brasil”, traz consigo dois termos importantes. O primeiro, bioacumulação, descreve um processo em que substâncias ou compostos químicos são absorvidos pelos organismos, podendo ocorrer de forma direta ou indireta. O segundo, biomagnificação, diz respeito ao fenômeno que ocorre quando há acúmulo progressivo de substâncias de um nível trófico para outro ao longo da teia ou cadeia alimentar.
Dessa forma, Tailisi procurou apontar a bioacumulação e biomagnificação de metais pesados em teias tróficas nos estuários estudados. Teia trófica é um conjunto de cadeias alimentares (relações entre matéria e energia que os seres vivos utilizam para sobreviver) interligadas entre si. A ideia central era traçar o caminho de metais ao longo da cadeia alimentar estudada (imagem abaixo), sob o impacto histórico que sofrem as regiões costeiras no país pela ação do homem.
Foram base de estudo nos três estuários as concentrações dos seguintes metais: arsênio, cádmio, chumbo, cobre, cromo, níquel, selênio, zinco e mercúrio. Para embasar a pesquisa, foram incorporadas às análises os isótopos estáveis de carbono e nitrogênio (isótopos estáveis são partes de elementos químicos que não emitem radiação), presentes em sedimentos e organismos marinhos. Esses últimos representados por invertebrados bentônicos (como os moluscos e crustáceos), peixes bentívoros (como o cangoá, Stellifer rastrifer) e mamíferos marinhos (botos cinzas, Sotalia guianensis;e toninhas, Pontoporia blainvillei).
“Escolhemos espécies alvos do estudo desde o começo. Os mamíferos são sentinelas ambientais, ou seja, elas conseguem nos dar alertas sobre como está o ambiente, por estarem no topo da teia trófica“, explica a pesquisadora Tailisi Trevizani. Como os mamíferos marinhos ou cetáceos são pouco estudados, houve a observação de que essas são espécies ameaçadas na costa do Brasil, dando ainda mais base e importância para a pesquisa. “É uma iniciativa para que possa inclusive ocorrer outros estudos ao longo da costa brasileira.”
Os termos
Por não serem tão conhecidos, os termos podem causar confusão. Esta pode ocorrer quando o termo “bioacumulação” passa a ser usado como sinônimo de “biomagnificação” (ou até mesmo “bioconcentração”). Para diferenciar, é importante saber que bioacumulação possui ocorrência em um nível trófico e representa o aumento da concentração de uma substância nos tecidos ou órgãos dos organismos. Já bioconcentração ocorre quando as substâncias são absorvidas pelos organismos em concentrações mais elevadas do que o ambiente circundante.
Sendo assim, a bioconcentração e a bioacumulação acontecem dentro de um organismo, enquanto que a biomagnificação ocorre entre os diferentes níveis da cadeia alimentar (níveis tróficos). A simplificação desses termos e explicação dessa diferença, foram feitas pela professora Rosalinda Carmela Montone, que fez parte da banca examinadora da Tailisi. Demais informações podem ser acessadas no próprio site do IO.
As análises
A tarefa de análise de dados não foi fácil. Ao longo do ano de 2015, foram muitas as coletas e observações feitas. Como instrumento de captação de material, foi utilizado uma draga que recolheu sedimento e bentos, identificados ao nível de sua família na teia trófica. Peixes e lulas foram colhidas por redes de arrasto. Cumprindo o papel responsável com o meio ambiente, a pesquisadora afirma “que as espécies que não eram alvos da pesquisa foram soltas imediatamente após a identificação dos peixes não utilizados, com eles ainda vivos”.
A fim de armazenamento de informações os peixes foram pesados e medidos, fazendo também as suas sexagens (identificação de sexo). Os cetáceos foram provenientes da captura acidental feita por pescadores ou quando encontrados mortos na praia.
Especificamente a eles, houve a cessão por laboratórios. Em Paranaguá, quem cedeu os animais foi o Laboratório de Ecologia e Conservação do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (CEM-UFPR). Já em Cananéia, a colaboração com a pesquisa aconteceu pelo Laboratório de Biologia e Conservação Marinha do IO-USP, através do professor Marcos C. O. Santos. “É importante lembrar que os animais já estavam mortos, nós não matamos cetáceos para pesquisar”, enfatiza Tailisi.
As concentrações
Na paulista Cananéia e paranaense Paranaguá há uma bioacumulação semelhante dos elementos. O arsênio acumula-se principalmente nos peixes e demais organismos bentônicos. Níquel e chumbo só bioacumula nos bentos. Zinco, cobre e mercúrio, ficaram presentes em todos os níveis tróficos. Já o selênio só bioacumula no verão, quando este se encontra nos sedimentos.
Santos possui uma situação diferente. Há bioacumulação de arsênio, níquel, chumbo e zinco somente nos bentos. A semelhança fica com o selênio, que só bioacumula no verão, muito por conta da sua quantificação nos sedimentos. Já no mercúrio ocorre o processo de absorção em todos os níveis tróficos.
O único metal em que há a comprovação da biomagnificação é o mercúrio. “Por isso ele é o contaminante mais falado e polêmico. É uma capacidade própria dele (biomagnificar), causando assim, o aumento da concentração ao longo do nível da teia trófica”, diz a pesquisadora. Justamente por isso, há chance de se ter maior concentração dele nos cetáceos. “E se está nesse grupo, há a preocupação de que se chegue no ser humano, por conta do consumo alimentar do peixe”.
Resultado das cidades
Em Paranaguá, houve maior concentração de cromo, cobre, mercúrio e zinco. “Isso se deve à atividade portuária, águas residuais não tratadas vinda pelos grandes rios e contaminação agrícolas”, ressalta a cientista. Algumas características geoquímicas da região também foram fundamentais para essa quantidade de metais encontrados. A área do porto coincide com a zona de máxima turbidez, como se fosse o limite da maré com maior agitação das águas e suspensão de sedimentos, tendo maior redisponibilização do metal que estava no sedimento.
No estado de São Paulo, a cidade de Cananéia, apesar de aparentar ser o local mais preservado, apresentou grande concentração de arsênio. Uma das justificativas é que esse metal pode ser proveniente de forma natural, pelo embasamento rochoso. Contudo, também houve uma maior concentração de chumbo. “Em estudos anteriores, perceberam que esse chumbo está relacionado com a atividade de mineração na região. Ele aparece biodisponível, continuando sendo assimilado pela biota (conjunto de seres vivos da fauna e flora) da região”, explica Tailisi.
Em Santos, onde se esperava grandes concentrações, foram encontrados altos níveis apenas nos sedimentos. Na biota os metais níquel, cádmio e selênio foram os que apresentaram as maiores concentrações. “Estes estão ligados às atividades urbanas da região, em especial o selênio com a presença de esgoto não tratado, e o cádmio e níquel relacionados às indústrias”. No alto estuário não foram encontradas espécies de peixes, apenas na baía. Um ponto preocupante, visto que as atividades da região afetam a qualidade da água e dos sedimentos. Podendo, futuramente, afetar ainda mais a organização dos seres vivos ao longo do estuário santista.
“Decidi fazer uma ligação com o que estudei na graduação e no mestrado. Observei também que em Santos não tinha um estudo com esse olhar. Fui por um lado ecossistêmico e social ao incluir a biota, já que um peixe pode servir como alimento”, declara Tailisi Trevizani.
Os dados apontam algumas preocupações para o futuro. As altas concentrações apresentadas devem ser vistas de perto por órgãos competentes. Estes regulamentam as concentrações de metais que devem estar presentes no pescado comercializado. No Brasil, a responsável pelas normas e fiscalização é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Internacionalmente, os níveis ideais são apontados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU).
A pesquisa teve orientação do professor Rubens Cesar Lopes Figueira, do IO-USP, e co-orientação da professora Camila Domit, do CEM-UFPR.
0 comentários