Espécie exótica identificada em manguezais da Baixada Santista preocupa especialistas
11:35Em monitoramento de manguezais no estuário de Santos, biólogos identificam uma espécie arbórea até então desconhecida no Brasil e sem registros na América do Sul, reforçando a necessidade de proteger esses ecossistemas críticos
Medidas como a remoção manual das plantas invasoras e outras técnicas devem ser consideradas, embora cada uma apresente seus próprios impactos ambientais e econômicos - Foto: Enviada pelos pesquisadoresDurante uma operação de monitoramento dos manguezais no estuário de Santos, parte de um esforço para restaurar a cobertura vegetal local, biólogos avistaram flores totalmente desconhecidas para as árvores da região. Geraldo Eysink e Edmar Hatamura, os biólogos envolvidos, buscaram a colaboração da professora sênior do Instituto Oceanográfico (IO) da USP Yara Schaeffer-Novelli para identificar a origem de uma possível espécie exótica, introduzida de forma involuntária e conhecida por seus impactos negativos em ecossistemas nativos.
A descoberta, que levanta preocupações sobre a conservação dos manguezais, áreas vitais de preservação, culminou na redação de uma Nota Técnica publicada pelo periódico Biota Neotropica.
"Estávamos fazendo um trabalho junto com a HC2-Gestão Ambiental, empresa focada em solucionar problemas ambientais que atualmente trabalha na recuperação de uma área de manguezal em Cubatão, quando descobrimos uma planta originária da Índia e de Bangladesh”, conta Hatamura.
A planta, inicialmente atraente por suas flores distintas, confirmou-se uma espécie exótica invasora do gênero Sonneratia, usada na China para recuperação de manguezais devido ao seu rápido crescimento e capacidade de retenção de solo, ou seja, a capacidade de um solo de reter água ou umidade. De acordo com os especialistas, é o primeiro registro da Sonneratia apetala na América do Sul.
“A hipótese mais provável é que ela chegou aqui no porto de Cubatão principalmente devido ao grande tráfego de advindos da China ”, conta Hatamura ao esclarecer que o transporte pode ter acontecido por meio da água utilizada pelos navios para estabilização. “A água de lastro dos navios, que é utilizada para equilibrar o navio, pode ter trazido a planta invasora”, reforça ele.
A água de lastro é usada para estabilizar os navios durante a navegação, muitas vezes sendo bombeada para dentro do navio em um local de origem e depois liberada em outro local, o que pode incluir portos intensamente trafegados. Ela pode transportar organismos marinhos e outras substâncias que podem afetar os ecossistemas locais quando liberados em novas áreas.
Como a espécie invasora se espalha?
A Sonneratia apetala, também conhecida como mangue maçã, é uma árvore de mangue da família Lythraceae nativa do Sudeste Asiático, com presença em países como Índia, Sri Lanka, Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas. A espécie de porte médio, que pode alcançar até 20 metros de altura, possui um sistema radicular do tipo raízes-escora que se estende até o solo lodoso, folhas ovaladas de cor verde brilhante e flores grandes e vistosas de cor vermelha que, de acordo com os especialistas, chamam bastante atenção.
“Seus frutos e sementes flutuantes facilitaram sua disseminação pelas águas, levando à descoberta de 86 exemplares até o momento”, conta a professora Schaeffer-Novelli ao relatar que a identificação delas foi possível por meio de caminhadas de campo e o uso de drones pelos biólogos, que revelaram a presença da planta em áreas específicas.
A docente ressalta também que o processo de identificação da espécie em Cubatão envolveu despesas significativas, “incluindo viagens a Santos, pedágios, alimentação, pernoites e o uso de drones para localizar indivíduos da planta invasora”, afirma.
Serviços prestados pelos mangues
Fato é que a presença dessa planta no Brasil representa uma ameaça direta à biodiversidade local, competindo por espaço e recursos com os gêneros nativos de manguezal, considerado Área de Preservação Permanente (APP), conforme a legislação nacional.
O Atlas dos Manguezais do Brasil aponta que a costa amazônica abriga 80% da cobertura de manguezais do País, constituindo assim a maior reserva de mangues da América do Sul. Nessa região, encontram-se 16 Reservas Extrativistas, três Terras Indígenas e territórios quilombolas.
Os manguezais do Brasil, que se estendem de norte a sul, são formados por três tipos principais de vegetação: o mangue-vermelho, com um sistema de raízes que se assemelha a um candelabro invertido; o mangue-preto, também conhecido como siriúba ou seriba, que possui raízes visíveis chamadas pneumatóforos, e o mangue-branco, que fica mais afastado da água e tem raízes parecidas com as do mangue-preto, mas em menor quantidade. Essas árvores formam uma estrutura complexa que desempenha um papel vital na proteção da costa contra a erosão e abriga uma grande diversidade de vida selvagem.
No mapa, a área verde-clara foi mapeada com um drone para localizar asSonneratia.
Muitas delas foram encontradas nas margens dos rios Cubatão e Perequê durante uma expedição de barco. As plantas mais distantes da margem foram identificadas inicialmente nas fotos do drone e posteriormente confirmadas em terra. Os pontos rosa indicam onde as plantas foram encontradas, com alguns locais tendo mais de 20 delas
"A introdução de uma espécie exótica pode ocupar o espaço das plantas nativas do manguezal, comprometendo a estabilidade do ambiente”, alerta o biólogo Geraldo Eysink ao salientar que, na China, “a planta foi usada para recuperação de manguezais (posição que está sendo revista localmente, devido aos impactos observados), mas aqui no Brasil, ela pode afetar negativamente a biodiversidade do manguezal, razão pela qual precisamos tomar uma série de urgentes atitudes.”
Considerando isso, os pesquisadores estão alarmados com o potencial impacto dessa espécie exótica nos ecossistemas delicados de manguezal, conhecidos por seus inúmeros serviços ecossistêmicos. “Os manguezais prestam diversos serviços ecossistêmicos, como fixação de carbono, berçário para espécies marinhas de interesse econômico e proteção contra erosão”, lembra a professora.
A introdução dessa espécie invasora na Baixada levanta questões urgentes sobre a gestão e controle de espécies forasteiras no Brasil, especialmente em áreas de preservação permanente e unidades de conservação.
Conforme explica Eysink, “qualquer interferência que perturbe o equilíbrio do manguezal é motivo de grande preocupação para nós”. De acordo com o trio, é importante lembrar que espécies invasoras, sejam elas fauna, flora ou microrganismos, precisam ser erradicadas, segundo a regulamentação brasileira sobre o tema.
Portanto, para realizar esse processo de erradicação, os especialistas aguardam o aval dos órgãos reguladores na forma de um documento que confirme a necessidade, seguindo a legislação brasileira especificada, de erradicar a planta invasora em questão. “Apesar de não se tratar de uma unidade de conservação federal, a área em foco é uma zona de preservação permanente, abrangendo Cubatão, São Vicente e outras regiões interligadas”, sinaliza a professora.
Um alerta para as autoridades
Entretanto, a resposta das autoridades ambientais até o momento tem sido limitada, e incluiu o contato com o Ministério do Meio Ambiente, o ICMBIO e o Ibama para tratar do caso da espécie invasora.
Nesse contexto, a equipe apela por uma mobilização conjunta de órgãos ambientais, comunidade científica e sociedade para enfrentar o desafio. Medidas como a remoção manual das plantas invasoras e até mesmo a necessidade de aplicação de outras técnicas devem ser consideradas, embora cada uma apresente seus próprios impactos ambientais e econômicos.
“A preservação de áreas de manguezais é crucial não apenas para a proteção dos habitats, essenciais para a subsistência de comunidades pesqueiras ao longo de 8.000 km de costa, mas também para a conservação de espécies migratórias de organismos aquáticos como peixes e mamíferos marinhos, e também para várias espécies de aves, conforme estipulado pelas Convenções de Washington de 1940 e de Ramsar de 1971”, pontua Schaeffer-Novelli.
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