Nova espécie de lambari apresenta diferença marcante de cor entre machos e fêmeas
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Uma nova espécie de lambari, denominada Hyphessobrycon myrmex, chamou a atenção de pesquisadores do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP) por apresentar um intrigante dicromatismo sexual: enquanto os machos são de cor vermelho-alaranjada escura e pronunciada, as fêmeas são amarelas.
A espécie foi descrita em artigo publicado no Journal of Fish Biology. Com cerca de 2 centímetros de comprimento, o H. myrmexhabita as águas cristalinas do rio Formiga (myrmex, em grego, significa formiga), um tributário do rio Juruena, na Serra dos Parecis, em Mato Grosso. O Formiga faz parte da bacia hidrográfica do Tapajós.
“O dicromatismo sexual, uma forma de dimorfismo sexual, é comum entre os vertebrados, principalmente aves e peixes. Um exemplo clássico é o pavão”, disse um dos autores do estudo, o ictiólogo Murilo Pastana, do MZ-USP, à Agência FAPESP.
Os espécimes descritos no estudo foram coletados entre 2011 e 2015, durante expedições organizadas para realizar o “Inventário da fauna de Characiformes (Teleostei, Ostariophysi) da América do Sul”, um Projeto Temático ligado ao programa BIOTA-FAPESP e coordenado pelo pesquisador Naércio Aquino Menezes, do MZ-USP.
Uma das ordens mais vastas de peixes de água doce, os Characiformes apresentam grande diversidade. São reconhecidas 2.171 espécies, distribuídas em famílias como Parodontidae (canivetes), Curimatidae (saguirus, branquinhas), Prochilodontidae (curimbatás), Anostomidae (piaus, piaparas, aracus), Crenuchidae (mocinhas), Hemiodontidae (cruzeiro-do-sul), Gasteropelecidae (peixes-borboleta), Characidae (lambaris, piabas, pacus, piranhas, tambaquis, dourados, matrinchãs), Acestrorhynchidae (ovevas, peixes-cachorro), Cynodontidae (cachorra), Erythrinidae (traíras), Lebiasinidae (zepelins, copeinas) e Ctenoluciidae (bicudas).
Dessas, cerca de 1.750 espécies vivem na América do Sul, e o restante, na África. O tamanho pode variar de 1,7 centímetro até 2 metros. O dicromatismo sexual é especialmente disseminado entre os membros da família dos lambaris, mas os machos e as fêmeas de H. myrmex chamam a atenção pelo enorme contraste de tonalidade que apresentam.
“Era de conhecimento dos ictiólogos que o dicromatismo ocorria entre os caracídeos, mas pontualmente. Nunca se procurou saber o total de espécies dicromáticas, onde vivem e qual a função que o dicromatismo desempenha no seu comportamento”, disse Pastana.
A constatação do dicromatismo em H. myrmex levou o pesquisador a realizar um levantamento, no qual constatou a ocorrência de 109 espécies de Characiformes dicromáticos, sendo 57 da família Characidae, como é demonstrado no trabalho.
Verificou-se ainda que o dicromatismo está presente em seis das 24 famílias conhecidas de Characiformes. Cinco famílias são sul-americanas e uma é africana. O dimorfismo sexual nessas seis famílias não é apenas cromático. Ele aparece na diferença de tamanho entre os sexos, no tamanho das nadadeiras e, até mesmo, no comportamento.
De acordo com Pastana, o caso mais surpreendente de dimorfismo sexual de viés comportamental é o da espécie Copella arnoldi. Esse peixe pertence à família dos lebiasinídeos, que habita o sul da América Central e a América do Sul, e é popularmente conhecido como peixe-lápis, zepelin dourado ou tetra.
“Este é um dos casos mais espetaculares de comportamento reprodutivo em peixes e de segregação de tarefas entre os sexos na hora do acasalamento”, explicou Pastana.
“O macho e a fêmea, quando estão prontos para o acasalamento, saltam juntos para fora da água e se prendem na superfície inferior de folhas que cobrem o rio. Eles desovam fora da água, na folha. Para os ovos não ressecarem, o macho permanece no local e, com auxílio de um prolongamento da nadadeira caudal, chicoteia água da superfície do riacho nos ovos presos na folha”, disse.
Segundo Pastana, no macho a cauda é mais pronunciada – o que também é um dimorfismo sexual nessa espécie. A fêmea, por sua vez, segue sua vida despreocupada após a copula.
Ecossistemas ameaçados
“Onde os Characiformes ocorrem, eles são dominantes. Na América do Sul, eles predominam em todas as bacias hidrográficas, ao lado dos Siluriformes, o grupo dos bagres e cascudos”, disse Naércio Menezes, coordenador do “Inventário da fauna de Characiformes”.
Finalizado em 2015, o projeto teve o objetivo de coletar exemplares em regiões de cabeceira dos rios amazônicos que nascem no Brasil central. “Essas ictiofaunas têm uma distribuição muito restrita. Há espécies que só ocorrem em um ribeirão, e não existem naqueles ao lado. Pelo fato de as cabeceiras se localizarem em áreas de planalto, o curso dos rios atravessa cachoeiras, que isolam as espécies das cabeceiras daquelas que ocorrem rio abaixo”, explicou Menezes.
Como são exatamente as regiões de cachoeira dos grandes rios amazônicos os locais prioritários para a instalação de grandes barragens hidrelétricas, os ictiólogos correram contra o tempo para inventariar o máximo de espécies desconhecidas possível. “A construção de usinas produz a destruição de tudo o que existe naqueles ecossistemas”, disse Menezes.
Durante as sete expedições do projeto, realizadas entre 2011 e 2016, foram descobertas cerca de 30 espécies de Characiformes.
O artigo A new sexually dichromatic miniature Hyphessobrycon (Teleostei: Characiformes: Characidae) from the Rio Formiga, upper Rio Juruena basin, Mato Grosso, Brazil, with a review of sexual dichromatism in Characiformes (doi:10.1111/jfb.13449), de M.N.L. Pastana, F.C.P. Dagosta e A.L.H. Esguícero, pode ser lido em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jfb.13449/full.
Fonte: Peter Moon | Agência FAPESP
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